13 de Outubro de 2024 - 00:41 Vila São Sebastião, Portugal

19 de Janeiro de 2022 - 19:00 - Vila São Sebastião, Portugal

JUNTA DE FREGUESIA

Vila São Sebastião

A Batalha da Salga foi um recontro travado a 25 de Julho de 1581 na baía da Salga, em São Sebastião, na jurisdição do extinto concelho da Vila de São Sebastião, Terceira, Açores, entre uma força de desembarque espanhola e as forças portuguesas que, em nome de D. António I, defendiam a ilha em oposição à união pessoal com Espanha, no contexto da crise de sucessão de 1580.

Enquadramento geo-político

Logo que Filipe II de Castela se achou em posse pacífica do Reino de Portugal, desbaratado inteiramente o seu rival D. António, prior do Crato, de quem se não sabia o paradeiro, por mais instâncias que se fizessem, cuidou primeiro da sua aclamação e do reconhecimento do príncipe D. Diogo, seu filho, como herdeiro legítimo da Coroa Portuguesa.

Concluído este acto com as cerimónias ordinárias do país, abriu a Junta dos Estados a 17 de Abril de 1581, com o objectivo de estabelecer as garantias da Coroa Portuguesa e de publicar a ampla amnistia que tinha prometido aos implicados no apoio ao Prior do Crato.

Publicada a amnistia, viram os portugueses, com grande mágoa, que, além de não ser geral, abrangia muitas cláusulas artificiosas. E não obstante o queixarem-se disto, recusou El-Rei abertamente mudá-las, dizendo que nunca perdoaria a D. António e ao conde de Vimioso, ao Bispo da Guarda (filho do conde de Vimioso), e a outros, em número de cinquenta e duas pessoas. A respeito das outras graças requeridas pelos procuradores portugueses, mui poucas concedeu, negando umas abertamente, e respondendo a outras com duvidosas esperanças; do que não tanto a ele como a seus ministros se imputou a culpa.

Desfeita a Junta dos Estados, partiu El-Rei Filipe para Lisboa e, chegando a Almada, soube da má disposição em que estava a ilha Terceira a seu respeito, porquanto a população da ilha havia recusado aceitar Ambrósio de Aguiar Coutinho que lhe fora enviado por governador.

Em consequência destas notícias, ordenou logo a preparação de uma armada suficiente com ordem de se assegurar da ilha de São Miguel, conservar seus moradores na obediência e escoltar as embarcações das Índias. Preparada a armada, despachou-a para as ilhas sob o comando de D. Pedro de Valdez, sem que o autorizasse a intentar coisa alguma contra a ilha inimiga e suas anexas até lhe enviar maiores forças, como as circunstâncias o pedissem. Outrossim lhe entregou cartas para o governo de Angra e instruções particulares em favor dos moradores da terra, para que em boa paz se reduzissem à sua obediência.

A armada de D. Pedro de Valdez

Com este fim limitado, partiu D. Pedro de Valdez em volta pela ilha de Santa Maria, onde esperou a chegada dos navios e procedeu ao seu reagrupamento e reparação daqueles que apresentavam avarias.

Terminadas aquelas operações, já entrada a Primavera, saiu do porto dela com sete naus grandes e mil soldados nelas, afora muita fidalguia que se embarcou e muita mais gente de mar; e chegando à ilha de São Miguel, onde governava Ambrósio de Aguiar Coutinho, por sua ordem trouxe consigo um seu primo que ali se encontrava, chamado D. Juan de Valdez, mestre de campo e grande cavaleiro.

Foi com esta armada que partiu sobre a Terceira.

Chegada da armada à Terceira e seus movimentos

Ao amanhecer do dia 5 de Julho de 1581 apareceu esta armada à vista de Angra, da parte de leste, contando-se nela oito galeões, um pataxo e uma caravela alfamista, que vinha por mexeriqueira.

Mui diversos foram os efeitos de temor e alegria, que isto causou aos seguidores dos dois bandos em que se achava dividida a Terceira; porquanto, o partido que seguia a voz de El-Rei D. António esperava que fosse o socorro de França e Inglaterra, há muito prometido; e o que seguia a parte de El-Rei Filipe, esperava e queria fosse já a esquadra para sujeitar a ilha ao seu domínio. E ainda que os primeiros tivessem razão de presumir que fosse armada inimiga, lhes parecia tão pequena que lhes não dava maior cuidado; além de esperarem o triunfo, confiados na justiça da sua causa.

Em breve houve o desengano destes diversos pareceres. A armada sem lançar ferro, atravessou defronte do porto, e começou a disparar artilharia contra a cidade, e todo aquele dia velejou em frente a ela; e porque não havia ainda a fortaleza de Santo António, saíram os batéis da popa das naus, de noite, com soldados para de madrugada, ao abrigo do Monte Brasil apreenderem algum barco de pesca, que os informasse do estado da ilha: e assim o conseguiram à terceira noite, tomando um e falando com a gente dele a bordo da nau capitânia, de onde Valdez mandou dizer ao governador Ciprião de Figueiredo e Vasconcelos, e aos mais da governança da terra, que se entregassem à obediência de El-Rei Filipe que este estava pronto a perdoar-lhes o crime de rebelião, e que ainda lhes faria outras mercês de grande conveniência para todos eles; e que se o não fizessem assim como deviam, lançaria em terra mil soldados e à força de armas tomaria a ilha, sem dar quartel a ninguém.

Reacção dos terceirenses

Tão reiteradas promessas e ameaças do Castelhano pareciam fraqueza e pusilanimidade e como tais não sortiram outro efeito mais do que o escárnio. Os terceirenses, além de um pequeno número, não queriam género algum de conciliação que expressamente lhes não fosse determinado por El-Rei D. António, a quem mui cordialmente abraçavam e tinham jurado obedecer até por ele derramarem a última gota de sangue.

Com esta heróica resolução conheceu Valdez que a ilha se não rendia, tratando por ora somente de participar a El-Rei seu amo estas coisas, e no entretanto pairava sobre a vela nestas águas, esperando disposições ulteriores.

Envio de reforços e reacção de D. Pedro de Valdez

Apenas El-Rei Filipe soube o estado da ilha Terceira e suas dependentes, e que, excepto as de São Miguel e Santa Maria, todas as demais constantemente rejeitavam aceitar o governador que lhes mandara, sem perder tempo algum fez preparar e guarnecer algumas embarcações de todo o necessário para conquistar essas ilhas, e incumbiu o comando desta armada no mestre de campo D. Lopo do Figueiroa, a quem imediatamente fez partir para que, incorporando-se com o sobredito D. Pedro Valdez, as batessem e conquistassem.

Porém quando D. Pedro de Valdez soube que D. Lopo andava no mar e que vinha ajuntar-se com ele, e que estava de mais a mais nomeado primeiro comandante, cheio daquele ciúme que parece inato entre os homens desta profissão, persuadindo-o de uma parte o mencionado seu primo D. João de Valdez a não perder ocasião de se assinalar com tão provável vitória, e da outra parte aguilhoado pelo estímulo da ambição, que mal sofria partilha da glória que ele estava persuadido poder ganhar desta vez sem favor aliado; por estas razões todas, mudou de intento e resolveu fazer desembarque em um pasto onde algumas vezes, de noite e de dia, saíam a terra os seus soldados e tomavam algumas frutas e falavam com os portugueses, sem que estes os impedissem, nem fizessem caso deles as guardas que ali estavam por instância (como se entendia) dos que seguiam a voz à El-Rei Filipe que andavam retirados às montanhas.

Assim pensou Valdez terminar este importantíssimo negócio: lançar em terra gente que se ajuntasse com eles, e acometer a cidade, tomando-a, e fortificando-se na ilha até que chegasse D. Lopo de Figueiroa, que não podia tardar muito; e neste árduo projecto se empenhou o general Valdez, dando ordens e preparando-se para o dia seguinte.

Preparação para a defesa da ilha

Em todas as pontas que descobriam ao mar, assim de dia como de noite, nos portos, calhetas, praias ou pedras em que parecia que o inimigo podia desembarcar, se haviam posto vigias na forma do regimente da milícia, e feito trincheiras, assestando-se em alguns lugares, ainda que poucos, algumas peças de artilharia de ferro.

Assim, no dia 24 de Julho pela manhã, mandou o governador Ciprião do Figueiredo sair da cidade o licenciado Domingos Onsel, dado que o inimigo tinha feito alguns movimentos, pelos quais se entendeu queria lançar gente em terra. Ele partiu de imediato com 20 soldados arcabuzeiros e 10 piqueiros, a fim de que, incorporando-se com a gente da freguesia de Santo António do Porto Judeu, defendessem o porto daquela freguesia e a costa da Casa da Salga, que era o lugar frequentado pelos castelhanos nos dias antecedentes. Com esta força julgava o governador e seus capitães, bem guarnecido este ponto.

Tal era o desprezo com que os terceirenses esperavam o desembarque do inimigo, que este pequeno destacamento lhes parecia uma força mui superior, capaz da competir com toda a gente daquela armada; mas o tempo lhes mostrou a inexactidão e imprudência deste seu parecer.

Marchou com efeito o licenciado Onsel da cidade de Angra com a sua gente bem armada e guarnecida das munições e dos víveres necessários; porém, chegando ao Porto Judeu, achou tal disposição no ânimo da gente e natural defesa da costa, que, sem embargo de estar quase toda descoberta, julgou poder, e sem receio, dispensar os dez piqueiros, os quais, sem a menor hesitação, remeteu para a cidade.

Este procedimento foi estranhado pelo governador, que, não querendo confiar negócio de tanta importância neste capitão que ostentava tamanha valentia antes de ver o inimigo em campo, imediatamente lhe mandou um reforço de alguns homens de pé e de cavalo, entre os quais se contaram os nobres Martim Simão de Faria, António de Ornelas Gusmão, Manuel Pires Teixeira, Manuel Gonçalves Salvago, ou Salgado, Pantaleão Toledo, o licenciado Domingos Fernandes, e André Fernandes de Seia, os quais todos, em conselho com Domingos Onsel, deliberaram que cada um deles iria naquela noite de guarda para o ponto que lhe era assinado, com quatro soldados arcabuzeiros, entrando além destes a gente da freguesia.

Desta forma se repartiram pelas estâncias, desde o Forte do Porto até à extremidade onde estava o poço, na baía da Salga. Era mui pouca gente na verdade para guarnecer espaço tão grande, que não seria menos de um quarto de légua.

O desembarque

Chegando finalmente a madrugada do dia de Santiago, que segundo o antigo calendário era a 25 de Julho, achando-se o mar pacífico e o vento favorável, mandou o general D. Pedro de Valdez embarcar nas lanchas e no batel do Faial, que tomara com o director desta expedição, a primeira coluna do seu exército, constante de 200 homens bem armados, e com algumas peças de artilharia.

Para o desembarque fê-los conduzir ao lugar já conhecido, chamado Casa da Salga, no Vale, freguesia do Porto Judeu (abaixo da Vila de S. Sebastião) uma milha, distante da cidade de Angra légua e meia, e outro tanto da vila da Praia. Neste lugar existia uma larga e profunda baía, em que podia comodamente fundear a armada, e uma costa fácil para desembarcar a sua gente, e se estender no vasto e plano Vale que lhe está adjacente, desde o Pico de Garcia de Romaya (nos limites desta freguesia), até ao centro da baía, onde começa a subir a estrada para a dita vila de S. Sebastião.

Ainda não era dia claro, quando a vigia que estava na Ponta dos Coelhos, que é a mais amarada, deu sinal do inimigo estar próximo, recebendo de imediato as surriadas de artilharia que ele ousadamente lhe enviou.

Fazendo o sinal acordado, começou o rebate no sino da igreja paroquial de Santo António do Porto Judeu, na qual era vigário Pedro Pereira.

Logo aqueles a quem pertencia o posto da Salga, para onde o inimigo remava, se prepararam à defesa; porém, vendo aproximar tão grande força, apenas descarregaram as armas, abandonaram tudo e se puseram em retirada, até encontrarem o capitão Domingos Onsel, que já avançava com a maior rapidez para disputar o passo ao inimigo.

Porém já foi tarde, porque os castelhanos, não achando resistência, tinham desembarcado muito a seu salvo, e entrado por terra dentro, levando à sua frente o bravo mestre-de-campo D. João de Valdez, e os esforçados cabos do guerra D. Juan de Bazan, sobrinho do marquês de Santa Cruz, o sobrinho do conde de Alba, e bem assim outros capitães de grande experiência.

Precisasmente Tendo tomado as trincheiras, e ganho a artilharia que nelas estava, com a mesma se defendiam e carregavam os nossos. E enquanto a vanguarda dos castelhanos avançava, e se estendia no campo plano, a retaguarda protegia o desembarque da gente que voltava de bordo da armada sem perigo, pela distância em que se achavam os defensores da ilha, entretidos na escaramuça, os quais seriam ao todo 50 homens.

Continuando desta forma a batalha, chegou a gente da vila de São Sebastião, capitaneada por Baltasar Afonso Leonardes: neste tempo vinham os batéis das naus, e as barcas carregadas com outros 200 soldados, armas de fogo e feixes de dardos; de forma que sendo já dia claro podiam estar em terra 400 homens, gente muito ilustre, e soldados velhos, que de certo eram para temer; e sua ordem e esforço era de grandes soldados.

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